Meu avô morreu aos 90 anos.

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E a dor é tão previsível.
Deixou o mundo mesmo depois de sempre ter sido restrito em questão à sua paz. Sempre me contou histórias sobre como viajou o mundo e de como sofria acidentes que geralmente deixavam fraturas graves. Mas sempre que o questionava sobre o seu amor, ele fechava os olhos e dizia sentir falta do doce aroma que ela tinha. Ela era sua melhor amiga. O acompanhava em todas as suas aventuras, e principalmente, estava sempre ao seu lado todas as vezes em que ele esteve debilitado. Me contou sobre as vezes em que foram presos por furto em uma lojinha, mas também de como arcaram com as consequências juntos. Ouvia ele sinuar o nome dela como se fosse música para seus próprios ouvidos. Me contou sobre tudo, apesar de nunca ter entrado em detalhes. Falou sobre como dançavam sobre a chuva e adoravam fazer barulho dentro de um banco. Era como gostar de alguém que não era seu, mas que lhe pertencia de alguma forma. Eles eram diferentes. Meu avô sempre foi muito orgulhoso, e conforme ele dizia, eu percebia a calma e liberdade que ela tinha. Eu nunca a conheci, mas ele garante que ela existiu. Pelo menos para ele. Alguns anos se passaram e ela precisou partir com quem ela dizia amar. Sempre percebi a dor em seus olhos quando falava sobre como a voz dela parecia arder quando falava sobre o homem que ela amava. E ele precisou deixá-la partir sem saber que ele a amava demais ào ponto de que trocaria a viajem ao mundo por uma casinha, uma vida à dois, alguns filhos e um cachorro. Ele não se importaria com nada disso, desde que tivesse ela ao seu lado. Essa era a única história que ele realmente sentia saudade de viver. Sempre quis ter a chance de vê-la outra vez e falar sobre o seu amor nunca ter morrido.
Mas o meu avô morreu. 
Haviam dezenas de pessoas em sua sepultura, mas eu não me importava com o número de pessoas que estavam ali. Ele me falava sobre como seria o seu enterro e de como gostaria de que não estivessem todas as pessoas que conheceu e foi embora, mas as que sempre estiveram presente.
Em meio as lágrimas, vi uma senhora de cabelos grisalhos se aproximar com uma foto sobre o túmulo de meu avô. O colocou sobre o seu nome e chorou. E ela chorava baixinho. Me aproximei e perguntei se estava tudo bem e ela permaneceu em silêncio enquanto suas mãos tocavam a terra. Era como se sentisse saudade de um toque que esteve longe durante muito tempo, mas que agora se distanciou um pouco mais. Perguntei mais uma vez e ouvi ela falar baixinho que o amou. Fiquei em silêncio, até perceber a pulseira que ela tinha nos pulsos, escrito “pour l’amour”. Meu avô tinha uma parecida dentro de seus pertences, e sempre a guardou com muito carinho. Era ela. Eles tinham uma pulseira da amizade, como geralmente todo jovem adolescente tem. Senti ali o desespero nas palavras que imploravam por perdão. “Me desculpe por nunca ter lhe dito que te amava” foram as últimas coisas que eu consegui ouvir.
Meu avô viveu 90 anos sem saber que não podia ter a liberdade e o amor em uma só vida. Mas, tenho certeza de que a amaria por mais 90 anos.

                                                                                                                                    Lane Passos

Um beijo, 
 Yasmim Gil. :*

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2 comentários

  1. Caraaaaaca, que texto maravilhoso!!! E o que mais tocou foi que meu pai faleceu há dois meses e haviam mensagens desesperadas dele para uma mulher, que mal se importava com ele. Isso realmente doeu meu coração. Texto ótimo, blog maravilhoso e estou apaixonadissima pelo layout novo! ♥

    http://centelhasdeamor.blogspot.com

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    1. Mostrei seu comentário a menina que fez o texto e ela adorou, ficou feliz e disse que você é uma linda! Fico feliz que tenha gostado do meu cantinho. *-* Também perdi o meu pai, à seis anos, deve estar sendo difícil pra você, não é mesmo? Beijinhos no coração ♥

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